mergulhem-se

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Fio da navalha - W. Somerset Maugham, Romance












"A noite é escura / E o caminho é tão longe que me leva a loucura / Andando e dançando / No fio da navalha / Eu sou o faquir / Eu sou o palhaço / E um grande canalha" (Estrela da Noite, Jorge Mautner)



Certo. Neste fio de navalha, o qual percorre a vida, há sutilmente dividido de cada lado o dentro e o fora. E eu estou inclinada a achar, como Larry Darrel, personagem central deste livro, que a verdade está mais dentro do que fora. Certo, não cristalizemos a verdade, deixe que ela exista em qualquer lugar: mas entendo, ou melhor, sinto, que a minha verdade - e penso que nenhuma mais poderá me ser tão válida - está dentro, completamente dentro desta minha carcaça (elétrica, por sinal). Talvez seja um pouco utópico sugerir que não somos obrigados a viver da forma com que a repetição geracional nos impele e que esta coisa a qual se define como a rotina padrão mundial é sim coisa que existe para ser rompida; que o casamento, trabalho, filhos, fordismo, comunismo, almoço, bom dia, diplomas, é só mais uma forma de experienciar nossa pequena passagem pela terra e que por não conhecermos outra forma não quer dizer que não exista. Sim, existe (aqui lanço a sugestão, utópica ou não, com o perdão da palavra: foda-se.) Há mais verdade dentro de nós do que fora: Há o que o nosso corpo pulsa. Há "vim ao mundo à passeio". Há "vim vadiar". Há "espontaneidade". Há "prefiro não". Mas não pretendo fazer nenhum tratado, de forma que sinto que estou falando isso mais para mim mesma, numa espécie de auto-convencimento, do que para qualquer outra pessoa. Enfim.

Maugham (que descobri pronunciar-se "môme") neste romance, conta a história de um homem (Larry) que afetado pela Primeira Guerra Mundial, onde participou como aviador; perdido, desiludido, traumatizado ou quem sabe 'libertado', que seja, desestrutura sua visão de mundo e decide ir em busca daquilo que para ele seria alguma espécie de essência pulsional. Para isso renuncia aos estudos acadêmicos, à oportunidades de trabalho, ao seu noivado etc, e inicia uma viagem pela Europa (e mais tarde para outros lugares) com a intensão apenas de "vadiar". Entendo que "vadiar" possa remeter diretamente a alguma espécie de diversão irresponsável, não é bem à isso que Lary se refere, mas o termo casa bem com o "sem ofício e sem emprego", em rumo de não sei o quê, não sei quando e não sei aonde, com a esperança que possa achar algo de si mesmo. Ao redor de Larry, outras personagens se tecem, fazendo uma boa representação dos tipos daquele início de século XX (e que sem esforço podemos atualizar para hoje); desde aqueles que consideram a cultura uma posse exclusiva de uma elite estanque, em que ser culto é uma condição de status social e não por ter conhecimento, passando pelos variados artistas, até aqueles que buscam a autodestruição das drogas, do álcool, da farra de alguma forma insensata. Toda a futilidade e mesquinhez desta época aparece através deste núcleo que em algum instante também tenta convencer Larry à "endireitar-se", sem compreender de ângulo algum suas escolhas.

O livro pode ser visto também como um confronto de um mundo velho contra um mundo novo instável em incessante transformação, com suas infinitas direções. Mundo velho muito bem representado pela figura de "Elliot" que antes brilhava no meio social e termina o livro em seu leito de morte sem ser convidado para uma festa, a qual considerava de suma importância. Tudo isso registrado e narrado por um personagem-escritor, que se diz o próprio Maugham, desde o fim da Primeira Guerra, passando pela crise de 29, até provavelmente o inicio da Segunda Guerra. De minha impressão escrita, c'est ça. O resto são sensações.

"- Pobre Larry - disse ela, rindo baixinho. - O senhor não me vai dizer que ele está aprendendo grego para assaltar um banco.
Também Ri.
- Não vou, não; o que estou tentando dizer-lhe é que há homens que sentem tão intenso desejo de fazer uma determinada coisa que não podem absolutamente deixar de fazê-la. Estão dispostos a sacrificar tudo para satisfazer esse anseio.
- Até mesmo as pessoas que gostam deles?
- Oh! Sim.
- Não acha que isso é puro egoísmo?
- Não sei dizer - respondi sorrindo.
- Que útilidade prática pode ter para Larry o estudo de línguas mortas?
- Algumas pessoas tem um desejo desinteressado de adquirir cultura. Não se pode dizer que seja um desejo ignóbil.
- Mas de que adianta a cultura se a pessoa não pretende utilizá-la?
- Talvez ele pretenda. Talvez só o fato de saber seja uma satisfação, como ao artista basta a satisfação de produzir uma obra de arte. E talvez seja só um passo para coisa mais avançada.
- Se ele tem tanta sede de saber, porque não foi então para o colégio quando voltou da guerra? Era o que o dr. Nelson e mamãe queriam que ele fizesse.
- Falei com Larry sobre isso em Chicago. Um diploma de nada lhe adiantaria. Pareceu-me que ele tinha uma idéia exata do que queria, mas sentia que não ia encontrar satisfação numa universidade. Você sabe, no estudo existe o lobo solitário, da mesma maneira que existe o lobo que se move com a alcateia. Acho que Larry é uma dessas pessoas que não podem tomar outro caminho a não ser o seu próprio." (trecho da conversa entre o narrador-personagem e Isabel, pág 157, 158)



O Fio da Navalha
W. Somerset Maugham
Ed. Globo de Bolso
558 págs



mais de Maugham

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Soneto - José Alcino Bicalho, poesia

Não me deixei Senhor, cruzar os braços
Na luta que este mundo desconhece
Na qual o meu espírito anoitece
Tão negra noite, de tão negros traços

Não me tirei a luz dos olhos baços
E nem esta esperança que fenece
Pois que ela é como o sol da minha prece
E o bálsamo de todos os meus cansaços

Bem sei que a luta é áspera e tremenda
Pairando em cada canto uma legenda
A sugerir que a causa esta perdida.

Mas sonho a glória de morrer lutando
a derrota só se mostra quando
Alguém se entrega antes do fim da lida.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Diários de Susan Sontag (cadernos de 1947 à 1963, organizados por David Rieff)

Estou um pouco assustada depois de ler num só fôlego o primeiro volume dos diários de Susan Sontag; o que me pareceu uma maneira um tanto imprópria de fazê-lo. São milhares de anotações; impressões; argumentações sobre pessoas, coisas, filmes, literatos, filósofos, professores, instituições, peças de teatro, cidades etc. etc. Listas sobre muitas coisas, relatos, relações afetivas, citações e mais citações, livros para serem lidos, descobertas... Tudo isso numa intermitência tal (própria dos diários) que não dão tempo de digerir, entranhar-se, envolver-se de forma segura sem que as nossas sinapses saiam rolando soltas e descontroladas procurando algum fio que as ate. Minha cabeça está numa fragmentação tal que é difícil entender qual o sentimento que permaneceu após fechar a última página. O que mais me pareceu incrível é a forma tão intensa que S.S. fala das suas relações afetivas e ao mesmo tempo dentro de uma atmosfera tão intlectual, a energia está sempre na cabeça, sempre mente inquieta, leitora ávida, estudante afobada... Seria difícil entender tamanha dicotomia se ela também não nos fosse tão própria do mundo atual, só não deixa de ser aflitivo. Sei que comprazi-me em muitos momentos - frenéticos ou não - e precisaria realmente revisitá-los com mais calma; folhear novamente as páginas e tentar preencher eu mesma, com paciência, os buracos que permaneceram para mim entre uma entrada e outra, como enxertos literários. Alors... De qualquer forma, deixo alguns trechos para quem quiser embrenhar-se - recomendo que escolham uma forma mais saudável do que a minha para ler (se é que isso existe).


"Quem inventou o casamento foi um torturador astuto. É uma instituição destinada a embotar os sentimentos. Toda a questão do casamento se resume a repetição. O melhor que ele almeja é a criação de dependências fortes e mútuas.

Brigas acabam perdendo todo o sentido, a menos que a pessoa esteja pronta a agir sobre elas - ou seja, terminar o casamento. Assim, depois do primeiro ano, a pessoa para de "perdoar" depois das brigas - apenas recai num silêncio irritado, que passa a um silêncio comum, e depois continua outra vez." ( 4/9/56; S.S. aos 23 anos, casada com Philip Rieff)

"Se apresentada aos meus bisnetos, no dia das minhas bodas de ouro?'Bisavó, você tinha sentimentos?' 'Sim. Foi uma doença que peguei na adolescência. Mas fiquei curada.'" (6/1/57; S.S. quase com 24 anos, ainda com P.R.)

"Nunca obter aquilo que se quer é nunca querer (por muito tempo) aquilo que se obtém - exceto, às vezes, quando é tomado à força" (26/2/58; S.S. aos 24 anos, refletindo sobre seu relacionamento com Harriet)

"Amar magoa. É como se oferecer para ser esfolada, e sabendo que a qualquer momento a pessoa pode simplesmente ir embora levando sua pele" (8/8/60; S.S. aos 26 anos, dentro de seu relacionamento com Irene Fornes)

"O medo de ficar velha nasce do reconhecimento de que não estamos vivendo agora a vida que desejamos. É equivalente a sensação de maltratar o presente" (19/12/61; S.S. aos 27 anos)

"Escrevo para definir a mim mesma - um ato de autocriação - parte do processo de tornar-se - Num diálogo consigo mesma, com escritores que admiro, vivos e mortos, com leitores ideiais..." (início de 1962; S.S. aos 28 anos)


Diários (1947-1963)
Susan Sontag
organização de David Rieff
Ed. Cia das Letras
336 páginas



Susan Sontag (1933-2004) foi uma escritora, crítica de arte e ativista norte-americana.

domingo, 9 de maio de 2010

"quatro doses de conhaque" - Leonardo Marona, poesia

gosto de lamber impurezas
no meio de dobras quebradiças
e certamente alguma alma antiga,
algum espírito recém-decapitado,
fala por mim nessas noites ou tardes
escuras de vento semelhante a vozes
no timbre das quais em vão procuro
o sal do tesão, a boca falsa do amor.




(poema do livro "pequenas biografias não-autorizadas", Leonardo Marona, Ed. 7 Letras)

O querido Leo se encontra também neste sítio:ASA NISI MASA

sexta-feira, 7 de maio de 2010

,Nicolas Behr, Poesias...

Palavra Final

amai-vos uns aos outros
e o resto que se foda


...

Erik Aprende Inglês

se filme é film
e carro é car
então caneta é can
e perna é per


...

eu sei que errei
mas prometo
nunca mais
usar a palavra certa


(do livro de poesias "Laranja Seleta", Nicolas Behr, Editora Língua Geral)