mergulhem-se

sábado, 6 de dezembro de 2008

Quadro - Paulo Mendes Campos

Fique na flor o perfume
Fique no mar o infinito
Fiquei no amante o ciúme
No silêncio fique o grito
Fique nos lábios um beijo
Fique Londres na Inglaterra
Fique no beijo o desejo
Fique eu triste cá na terra
Fique o morto em outro mundo
Fique no bosque o gigante
Fique o Y de Raymundo

Fique o peixe em água pura
Fique o pássaro na rama
Ficas bem na minha cama
Como o quadro na moldura.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Bukowiski, Sem Meias

trecho:

(...)"rumo a mim mesmo, à minha casa, a alguma coisa. o velho calhambeque ainda dava no couro, eu também, com toda a rua pela frente. o sinal fechou, achei metade de um charuto no cinzeiro, acendi, queimei de leve o nariz, o sinal abriu, traguei, expeli a fumaça azulada, pra que perder as esperanças? sempre surgiam novas oportunidades, mesmo frustrado e voltando pro mesmo lugar.

estranho: volta e meia deixar de foder é melhor que foder.
apesar de que posso estar enganado. em geral dizem que estou."

Bukowiski, Fabulário geral do delírio cotidiano, Sem Meias

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O Avesso e o Direito, Camus



Albert Camus (Mondovi, 7 de novembro de 1913 — Villeblevin, 4 de janeiro de 1960) nasceu na Argélia, foi escritor e filósofo e escreveu o Avesso e o Direito quando tinha 22 anos.

O Avesso e Direito é um livro pequeno, tem só 109 páginas, contando com 20 páginas só de prefácio. Mas é lindo, incrível ver como o Camus pode ter escrito esse livro com só 22 anos. Na verdade, particularmente, acho que os jovens tem muito a dizer, só não são escutados. Esse livro contém 5 peças que para ele são 'ensaios literários', ele fala sobre a solidão, sobre a ausência de Deus, sobre o amor, sobre a morte, sobre o absurdo da condição humana, tudo de uma maneira poética, que quem já leu Camus, sabe como é. É lindo, e no mais, não custa nada, são poucas páginas.

Vai aí um dos trechos que eu mais gostei:

"Isso tudo não se concilia? Bela verdade. Uma mulher que se abandona para ir ao cinema, um velho que não é mais ouvido, uma morte que nada resgata, e então, do outro lado, toda luz do mundo. Que diferença faz isso, se tudo se aceita? Trata-se de três destinos semelhantes e, contudo, diferentes. A morte para todos, mas a cada um a sua morte. Afinal, o sol nos aquece os ossos, apesar de tudo."

(Albert Camus, O Avesso e O Direito, pg 54, 55)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Função da Arte - Eduardo Galeano














Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!

(Eduardo Galeano, em Livro dos Abraços)

quinta-feira, 29 de maio de 2008

A Tartaruga - Rubem Braga

Moradores de Copacabana, comprai vossos peixes na peixaria Bolívar, Rua Bolívar 70, de propriedade do Sr. Francisco Mandarino, porque eis que ele é um homem de bem. O caso foi que lhe mandaram uma tartaruga de cerca de 150 kg, dois metros e (dizem) 200 anos, a qual ele expôs em sua peixaria durante 3 dias e não a quis vender; a levou até a praia, e a soltou no mar. Havia um poeta dormindo dentro do comerciante, e ele reverenciou a vida e a liberdade na imagem de uma tartaruga.

Nunca Mateis a Tartaruga.

Uma vez, na casa de meu pai, nós matamos uma tartaruga. Era uma grande, velha tartaruga do mar que um compadre pescador nos mandara para Cachoeiro. Juntam-se homens para matar uma tartaruga e ela resiste horas. Cortam-lhe a cabeça, ela continua a bater as nadadeiras. Arrancam-lhe o coração, ele continua a pulsar. A vida está entranhada nos seus tecidos com uma teimosia que inspira respeito e medo. Um pedaço de carne cortado, jogado ao chão, treme sozinho de súbito. Sua agonia é horrível e insistente como um pesadelo.De repente os homens param e se entreolham com o vago sentimento de estar cometendo um crime.


Moradores de Copacabana, comprai vossos peixes na peixaria Bolívar, de Francisco Mandarino, porque nele, em um momento belo de sua vida vulgar, o poeta venceu o comerciante. Porque ele não matou a tartaruga.

Rio, julho, 1959

domingo, 11 de maio de 2008

Palmeiras Selvagens - William Faulkner

É de uma poesia, mais subjetiva do que objetiva, absurda. Leiam.

"William Cuthbert Faulkner (New Albany, 25 de setembro de 1897 — Byhalia, Mississippi, 6 de julho de 1962) é considerado um dos maiores escritores norte-americanos do século XX.Em 1949, foi nomeado Prêmio Nobel de Literatura. Posteriormente, ganhou o o National Book Awards de 1951 com Collected Stories e o prêmio Pulitzer em 1955 por A Fable. Utilizando a técnica de "fluxo de consciência" consagrada por James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust e Thomas Mann, Faulkner narrou a decadência do sul dos EUA, interiorizando-a em seus personagens, a maioria deles vivendo situações desesperadoras no condado imaginário de Yoknapatawpha. Por muitas vezes descrever múltiplos pontos de vista (não raro, simultaneamente) e impor bruscas mudanças de tempo narrativo, a obra faulkneriana é tida como hermética e desafiadora." (wikipédia)

domingo, 23 de março de 2008

Madrigal Melancólico - Manuel Bandeira

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
– Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

(11 de junho de 1920)

sexta-feira, 21 de março de 2008

Pasmo - Sebastião da Gama














Nessas noites de morna calmaria
em que o Mar se não mexe o Arvoredo
não murmura, pedindo o Sol mais cedo,
que o resguarde da fria Ventania;

em que a Lua boceja, se embacia,
e as palavras estagnam, no ar quêdo,
noites podres - até chego a ter mêdo
de me volver também Monotonia.

E então sinto vontade de atirar
meu corpo bruto e nu contra o espanto
da Noite, a ver se o quebro e vibro, enfim;

cair no lago morto e acordar
os cisnes que adormecem de quebranto...
.......................................
Mas só caio, afinal, dentro de mim.

terça-feira, 4 de março de 2008

Labirinto da Solidão, Octávio Paz, Ensaio

Octávio Paz (1914 - 1998) foi um ensaísta e poeta mexicano, um dos mais considerados e controvertidos da segunda metade do século XX em seu país. Em O Labirinto da Solidão, públicado por ele em 1950, Paz abre um horizonte de reflexão que nos ajuda a entender e a situar não só o homem mexicano, mas também o latino-americano, em sua realidade emocional, mental, e social repelido dentro do contexto histórico mundial de hoje. Acredito que esse livro seja muito além do que um simples ensaio filosófico, há algo que nos faz, imagino, recobrar a consciência para o próprio ser.

"(...) Gente das cercanias, moradores dos subúrbios da história, nós, latino-americanos, somos os comensais não convidados que se enfileiraram à porta dos fundos do Ocidente, os intrusos que chegam à função da modernidade quando as luzes já estão quase apagando - chegamos atrasados em todos os lugares, nascemos quando já era tarde na história, também não temos um passado ou, se o temos, cuspimos sobre os seus restos; nossos povos ficaram dormindo durante um século, e enquanto dormiam foram roubados - agora estão em farrapos; não conseguimos conservar sequer o que os espanhóis nos deixaram ao ir embora; apunhalamo-nos entre nós... Não obstante, desde o chamado modernismo de final de século, nestas nossas terras hostis ao pensamento brotaram, aqui e ali, dispersos mas sem interrupção, poetas, prosadores e pintores que são comparáveis aos melhores de outras partes do mundo. Seremos agora, por fim capazes de pensar por nossa própria conta? Poderemos conceber um modelo de desenvolvimento que seja a nossa versão da modernidade? Projetar uma sociedade que não esteja fundamentada na dominação dos outros e que não termine nem nos gelados paraísos policiais do Leste nem nas explosões de náusea e ódio que interrompem o festim do Oeste?" (Octávio Paz, O Labirinto da Solidão)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Porta Estreita, André Gide, Romance

Não me lembro de ter chorado em outro livro como me lembro de ter chorado nesse. Conheci-o mais por destino(?) do que por acaso. De alguns tempos pra cá eu vinha encontrando diversas citações de André Gide em diferentes livros, na maioria de meus autores preferidos. Na mesma época ganhei por coincidência dois livros dele no original em francês, mas impossíveis de ler ainda para minha pouca compreensão dessa língua. Fiquei tão curiosa para lê-los que passei os dois meses seguintes e outros intercalados procurando algum de seus livros em português despreocupadamente nas livrarias. Ao não ter nenhum êxito me esquecia por um tempo deles até que me deparava mais uma vez com os benditos livros em francês na estante e recomeçava a busca. Da última vez em que me deparei com eles empenhei-me em não esquecê-los e na mesma hora fui atrás de vários sebos a sua procura. Enfim consegui meu primeiro exemplar em português, A Porta Estreita. Talvez possa dizer que esse livro seja mais uma leitura de inverno do que uma leitura de verão (Acaso isso existe?). Me impressionou muito com seu aspecto leviano e ao mesmo tempo triste, pesado. Aliás, é exatamente assim que a história se passa, numa mistura de paixão louca entre dois primos no fim do século 19, início do 20, e um puritanismo enorme dado à moral daquela época. O romance se arrasta e agoniza o leitor que não sabe que às veses a única solução para o amor é esperar.

André Gide (Paris, 22 de novembro de 1869 - 19 de fevereiro de 1951) foi um escritor francês, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1947. Originário de uma família da alta burguesia, foi o fundador da Editora Gallimard e da revista Nouvelle Revue Française.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Poeta Marginal? Eu, Hein? - Nicolas Behr

"não nasci em montes claros. não tenho nome completo. não sou professor. não consegui conciliar nada com a literatura. nunca publiquei nada. atualmente não resido em porto alegre. não me chamo eduardo veiga. não escrevo poesoa há mais de quinze anos. não estou organizando meu primeiro livro. nem o segundo. não sou graduado em letras. não acredito que a poesia seja necessária. não estou concluindo nenhum curso de pedagogia. não colaboro em nenhum suplemento literário. não estou presente em todos movimentos culturais da minha terra. não sou membro da academia goiana de letras. não trabalho como assessor cultural na secretaria da cultura. meus pais não foram ligados ao cinema. não tenho tema preferido. não comecei a fazer teatro aos doze anos. não me especializei em literatura hispano-americana. não tenho crônicas publicas n'o república de lisboa. não passei minha infância em pindamonhangaba. não canto a esperança. não cometi suicídio aos vinte e dois anos. não recebi nenhuma premiação em concurso de prosa e poesia. não tenho sete livros inéditos. não sou considerado um dos maiores poetas brasileiros. nunca fui convidado para dar palestras em universidades. não vejo poesia em tudo. não faço parte do grupo noigrandes. não me interesso por literatura infantil. não sou casado com o poeta affonso ávila. na minha estréia não recebi o prêmio estadual da poesia. o crítico joão batista nunca disse nada a meu respeito. não sofri influência de bilac. não sou ativo. nem dinâmico. não me dedico com afinco à pecuária. não sou portador de vasto curriculum. não recebio mensão honrosa no concurso de poesia ferreia gullar. não exerço nenhuma atividade docente. nem decente. não iniciei minha carreira literária no exército. não fui a primeira mulher eleita para a academia acreana de letras. não tenho poemas traduzidos para o francês. não estou incluído numa antologia a ser publicada no méxico. minha poesia não é corajosa. não gosto de arqueologia. walmir ayala nunca me considerou um revolucionário. nunca tentei compreender o homem na sua totalidade. não vim para o brasil com cinco anos de idade. não aprendi russo para ler maiakowski. meu pai não é chileno. não sou virgem. sou capricórnio. não sou mãe de dois filhos. nunca escrevi contos. não me responsabilizo pelos poemas que assino. não sou irônico. não considero drummond o maior poeta da língua portuguesa. não gosto de andar de bicicleta. não sou chato. não sei em que ano aconteceu a semana de vinte e dois. não imito ninguém. não gosto de rock. não sou nem quero ser crítico literário. nunca me elogiaram. nunca me acusaram de plágio. não te amo mais. minha poesia nunca veiculou nada. não sei o que vocês querem de mim. não espero publicar nenhum romance. não sou lírico. não tenho fogo. não escrevi isto que vocês estão lendo.

brasília, 1980"